06 diciembre 2007

O paradoxo da abundância (*)


Os Bispos angolanos fazem, pois, um apelo para uma gestão económica mais aberta e, também, mais transparente. Recordo que a falta de transparência e a má governação são focados como características dos países onde se verifica o «Paradoxo da Abundância»

Justino Pinto de Andrade

Em 2006, na sua II Assembleia Anual, a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (Ceast) produziu uma Mensagem Pastoral onde dizia: «Os abundantes rendimentos colhidos através dos recursos naturais que Deus outorgou ao povo angolano devem ser universalmente utilizados no combate à pobreza e à miséria de tantos irmãos, acabando com o escândalo do paradoxo da abundância». O «Paradoxo da Abundância» é uma expressão que ilustra o comportamento algo errático, do ponto de vista económico e social, dos países dependentes dos recursos naturais. Eles têm, normalmente, um desempenho económico irregular, grandes níveis de pobreza e desigualdades económicas, enormes injustiças sociais, violência e muitos conflitos. São, também, países onde se verificam elevados de corrupção, má governação e falta de transparência. Infelizmente, a situação presente em Angola não foge muito deste quadro. Num relatório datado do ano de 2006, o Banco Mundial atribuiu ao chamado «Paradoxo da Abundância» a razão da existência de 68% de pobres entre a população angolana, resultado de um inquérito aos agregados familiares, no ano de 2001, sobre as despesas e receitas da população. O Banco Mundial atribuiu ao «Paradoxo da Abundância», o facto do «Coeficiente de Gini» ter piorado entre 1995 e 2000, passando de 0,54 a 0,62, o que indiciava um agravamento na distribuição do Rendimento Nacional. Contudo, o actual Ministro angolano da Finanças, José Pedro de Morais, não é dessa opinião. Numa intervenção que fez na Universidade Lusíada de Angola, no ano de 2006, José Pedro de Morais disse não concordar com a avaliação então feita pelo Banco Mundial. Para o nosso Ministro, tudo isso se deveria, sim, praticamente, ao agravamento da guerra. A questão que eu coloco agora é que, em 2005, o «Coeficiente de Gini» era já de 0,64, evidenciando um claro agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento, num período já sem guerra. A guerra terminou em 2002. Pelo menos, no que diz respeito às desigualdades económicas, o Banco Mundial tinha razão. Haviam, então, decorridos três anos, desde que cessaram os combates entre as tropas do governo e a Unita. É um facto que, desde 2002, a economia angolana tem estado a crescer a ritmos bastante elevados, fazendo-o, porém, a taxas bastante irregulares, como veremos: ANO TAXA DE CRESCIMENTO DO PIB 2002 13,3% 2003 5,6% 2004 11,3% 2005 20,6% 2006 18,6% A economia cresce todos os anos, as de um modo irregular, pois ela depende demasiado da evolução dos preços do petróleo e também do ritmo com que entram em exploração novos campos deste recurso. Este é mais um ponto a favor do que foi postulado pelo BM. Somos, efectivamente, um dos países que mais cresce em todo o mundo. Em África, em termos de taxa de crescimento anual do PIB, supera-nos, apenas, a Guiné-Equatorial, um outro país também recentemente entrado no clube dos países africanos produtores de petróleo. Este país cresceu, no ano de 2006, a uma taxa superior aos 30%. Desde que a guerra terminou, a evolução dos rendimentos fiscais do tem sido impressionante: ANO RENDIMENTOS FISCAIS DO PETRÓLEO (Milhões de Usd) 2002 3.000 2003 3.700 2004 5.700 2005 10.500 2006 17.000 2011 40.000 (previsão) A partir de 2004, verifica-se uma arrecadação extraordinária de receita petrolífera, fruto da subida inesperada dos preços do petróleo. Num «workshop» sobre a gestão dos rendimentos do petróleo, realizado em Maio de 2006, entre o Ministério angolano das Finanças e o Banco Mundial, aventou-se a hipótese de os mesmos rendimentos virem a crescer de um modo vertiginoso, ao ponto de, em 2011, poderem atingir a cifra de Usd 40 mil milhões. Estamos, pois, a falar de valores fornecidos por fontes oficiais. Porém, existem fundadas dúvidas sobre a sua veracidade, uma vez que o Governo de Angola não aderiu à Campanha sobre a transparência na utilização dos fundos provenientes das Indústrias extractivas, guardando para si, a sete chaves, muita informação. Por isso mesmo, na Mensagem Pastoral da sua II Assembleia Anual, a Ceast declarou ainda: «As empresas petrolíferas devem partilhar da responsabilidade da transparência, publicando em Angola ou nos países de origem, não só os pagamentos que fazem ao governo, mas também as condições dos contratos que regulam as suas actividades”. Os Bispos angolanos fazem, pois, um apelo para uma gestão económica mais aberta e, também, mais transparente. Recordo que a falta de transparência e a má governação são focados como características dos países onde se verifica o “Paradoxo da Abundância”. Os indicadores sociais constantes de estudos realizados por fontes insuspeitas colocaram-nos no lugar número 160 na lista do Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, entre 173 países. No último relatório, agora saído, e referente ao ano de 2005, descemos para o lugar 162, de entre 177 países. Estamos na cauda da tabela, não obstante todas as receitas petrolíferas, ordinárias e extraordinárias, e outras. A nossa taxa de mortalidade infantil (de 0 aos 5) está fixada em 250 crianças por 1000 nascimentos1. Quer dizer que 1 em cada 4 crianças que nascem em Angola morre antes de atingir os cinco anos de idade. Morre-se muito por paludismo, tuberculose, diarreias, cólera. Temos dos maiores índices de mortes maternas. São enormes as desigualdades e as disparidades sociais, com uma grande parte da nossa população a viver em extrema pobreza. Uma minoria insignificante de pessoas detém mais de 95% das riquezas do país. Este é ainda o “Paradoxo da Abundância”, que o Ministro das Finanças recusou para o caso de Angola. Acredito que ele aceite esta definição para outros países. Para Angola, José Pedro de Morais só viu o impacto da guerra, e nada mais. O Relatório Económico de Angola produzido no ano de 2006 pela Universidade Católica de Angola aponta para muito próximo dos 70% da população angolana a viver com menos de 2 dólares por dia2. Esses 70% dos angolanos são a parte da população que não tem energia eléctrica nem consome gás. A estes angolanos faltam os bens essenciais para a sua sobrevivência, nos domínios da educação, saúde, emprego, água, etc. A explicação deste fenómeno contraditório (grandes e crescentes receitas petrolíferas, e outras) reside, sobretudo, no seguinte: I) Ainda as sequelas da guerra, num país que ficou bastante desarticulado. Por exemplo, os campos foram abandonados por populações que deixaram as suas práticas tradicionais de produção e de subsistência, tendo-se concentrado na periferia, e até mesmo no centro das principais cidades; II) Políticas económicas erradas que se seguiram à independência. Deve-se a elas, em parte, pelo menos, a inoperatividade das antigas indústrias e outras actividades económicas; III) Direccionamento de volumosos recursos financeiros do Estado para alimentar o esforço de guerra, em detrimento dos sectores produtivos e dos sectores sociais; iv) Práticas de má governação e de corrupção – só não as vê, quem não quer. Resultado imediato: delapidação dos bens públicos, açambarcamento de uma parte importante dos rendimentos públicos, onerando os custos e tornando a economia ineficaz. Não existe uma informação muito segura sobre os rendimentos do sector diamantífero, o segundo sector produtivo mais importante de Angola, pelo menos como fonte de rendimento para o Estado. Hoje, é no sector diamantífero onde se realizam grande parte das actividades que têm permitido o enriquecimento muito rápido das figuras políticas civis e, também, militares. É aí onde está instalada a maior anarquia, com uma invasão silenciosa de aventureiros, quer angolanos, quer provenientes de diversas partes do mundo. A paz de 2002 funcionou como um verdadeiro “detonador” para o cometimento de todo o tipo de arbitrariedades, fazendo das áreas de exploração de diamantes aquelas onde tudo é possível. Lá, não só se violam flagrantemente os mais elementares direitos humanos, como, igualmente, se agride de forma atroz a natureza, desventrando-se os rios e tornando improdutivas as terras que seriam aráveis. Têm sido constantes as denúncias sobre assassinatos de gente envolvida no garimpo, levados a cabo por indivíduos ligados, sobretudo, às empresas de segurança. São vários os relatórios a denunciar essas situações, uns, no passado, da responsabilidade da «Open Society», e ultimamente confirmados por uma autoridade insuspeita como a Comissão das Nações Unidas sobre Prisões Arbitrárias, que recentemente visitou Angola e esteve na Província da Lunda Norte. A exploração da terra, na maior parte do país, começa a ser efectuada muito em desfavor dos seus proprietários tradicionais. Eles são agora desapossados em favor de gente que nada tem a ver com as localidades onde os camponeses sempre viveram, sobretudo, no sul de Angola. Os conflitos de terras são uma constante, o que só reforça a ideia de que a paz de modo algum se tornou sinónimo de justiça social, nem um impulso ao desenvolvimento. Haverá, sim, crescimento económico, porém, sem a participação das populações, e muito menos a favor delas: são cada vez mais excluídas. E tudo isto é feito sob o silêncio e a cumplicidade dos grandes interesses nacionais e, também, internacionais. É verdade que o «mundo do diamante» é feroz. Mas, é também verdade que o «mundo do petróleo» não o menos. Este chega até a ser mais cínico, porque parece mais selecto. Olhemos para a Região do Delta do Rio Níger. E porque não, também, para a Guerra do Iraque?

(*) Comunicação apresentada do dia 23 de Novembro, na Sociedade de Geografia de Lisboa, durante a Conferência «Perspectivas de Paz para Cabinda»

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